As lembranças são como as estradas,
estancam as poeiras,
mas não apagam-se os rastros,
crescem os pastos,
dobram-se os alambrados, e continuam...
mesmo assim sendo sempre
um caminho na memória dos andejos.
E nas dobras da cerca,
os cantos com peala égua
são constantes em nossas andanças...
Hay que ser ligeiro e bom de rédeas
o flete da nossa encilha,
pois escassas são as tropilhas
pra quem doma a liberdade.
Nessa jornada,
onde as estradas vivem desertas
como velhas taperas,
que rondam os campos do infinito,
tristes e vazias, tal e qual
a alma de tantos.
Por isso, tento compreender os rumos,
sem me perder nas lonjuras,
e assim talvez um dia eu encontre
os parceiros andantes que como eu,
fizeram o mapa da vida...
rastreando história e distância.
Mas sinto que a alma se adelgaça
quando o vazio atropela,
e a mordaça da esperança
puxa as cordas dos sonhos,
nos alambrados da existência...
Reflete no poço da sanga
que a seca foi atorando,
os olhos cansados de um boi magro
que bebe água suja, num mês de janeiro,
que tem os dias cada vez mais compridos...
Até o sinamomo, do oitão do rancho,
mesmo de folhas novas,
já tem a sombra mais rala...
O rangido da carreta na estrada,
a muito calou seu canto...
Na porteira de dois moirões altos
em frente a estância,
uma casa de João-de-barro
ainda mantém-se, mesmo sem o dono.
Do velho João dos galpões,
nem cavalos, nem arreios,
talvez um peleguito velho
seja o único que lhe acompanha,
nessas jornadas, no vazio dessas calçadas,
onde a fome lhe faz dormir
bem antes do sono!...
Como pode os caminhos
ficarem tão turvos, pra quem teve
os olhos tão claros,
alma de lua e sol no coração...
Mas restam no corredor da esperança,
sinais quase apagados
que ainda nos levam até as aguadas.
Campeiros e campeadores
desemalaram poncho, mas que não dormiram no pouso.
Na ânsia de engolir distâncias,
amanheceram no povo e logo a cidade
lhes foi comprando cavalos e arreios.
E só restaram os lobunos,
aporredos fletes dessa amarga tropilha
chamada ambição!
Os sóis outonais perderam o brilho,
que acalentava as lagarteadas
dos sem ponchos.
E nas esquinas se encontram
os que eram alheios as calçadas,
a mendigarem o pão que saiu do trigo
semeado por suas próprias mãos!...
O arado que emborquilhou o campo,
tornou-se ruvinhoso.
O homem que plantou e semeou...
Tornou-se terra, onde o arado vida
de ponteira afiada,
vem rasgando a carne,
deixando vergas num corpo velho
que aos poucos vai se dobrando ao solo,
sem descobrir o porque e a razão
o semeador vira semente, do terráqueo ao terreno,
agora quem planta é vida,
nós somos apenas germens desse fruto ilusão.
Mesmo assim, no rio dos sonhos,
ainda se encontram os barqueiros da verdade,
esses, que trazem a doçura do mel nas palavras,
e as prosas brotam como água de vertente,
que ao deslizar por entre as pedras
vai ganhando corpo de sanga,
pra que os sequiosos do amor
se debrucem em suas barrancas,
a beberem a seiva da terra,
mãe de nós, ventre da paz!...
Trago assim o último rangido
da porteira que dava pra o corredor,
o retrato da estância
nas paredes da ausência...
O mouro farejando o pasto,
como a desconhecer os caminhos...
Então fui me distanciando...
E mesmo dentro de mim,
a querência ficou distante
e me perdeu de vista...
Mas não saiu dos olhos da minha alma.
E talvez seja por isso,
que na hora da saudade,
quando as lembranças falam por nós,
no silêncio das madrugadas...
A noite chora gotas de orvalho,
na cicatriz das estradas!...